terça-feira, 9 de outubro de 2007

 

Entrevista: Monja Coen - "A vida em harmonia com a própria vida"

Entrevista concedida a Paulo Stekel


[foto de Verônica Campos]

Temos um particular apreço por Monja Coen Sensei. A conhecemos pessoalmente em Brasília, no mesmo dia em que entrevistamos para uma produtora de vídeo o rabino Henry Sobel, em 2005. O mau humor evidente do rabino naquele dia, que nos concedeu apenas três minutos cronometrados de uma entrevista com pouca boa vontade, foi recompensado pela serenidade e “objetividade zen” da Monja Coen, exemplo de vida religiosa e de ser humano. Não que, sendo também humana, ela não tenha momentos de mau humor. Mas o mau humor zen... sabem como é!

Monja Coen Sensei é missionária oficial da tradição Soto Shu - Zen Budismo, com sede no Japão, e é a Primaz Fundadora da Comunidade Zen Budista, criada em 2001. Foi ordenada monja em 1983, quando foi para o Japão, lá permanecendo por 12 anos, sendo 8 dos primeiros anos no Convento Zen Budista de Nagoia, Aichi Senmon Nisodo e Tokubetsu Nisodo.

Retornou ao Brasil em 1995, e liderou as atividades no Templo Busshinji (São Paulo), sede da tradição Soto Shu para a América do Sul, durante seis anos. Foi, em 1997, a primeira mulher e primeira pessoa de origem não japonesa a assumir a Presidência da Federação das Seitas Budistas do Brasil, por um ano.
Participa de encontros educacionais, interreligiosos e promove a Caminhada Zen, em parques públicos, com o objetivo de divulgação do princípio da não-violência e a criação de culturas de paz, justiça, cura da Terra e de todos os seres vivos.

Horizonte: O que é ser "Zen"? Depende de uma prática budista ou é mais uma atitude de vida?

Monja Coen: Zen Budismo é uma das tradições religiosas budistas. É a prática da vida em harmonia com a própria vida.

Horizonte: É apenas impressão ou muitos praticantes budistas brasileiros - independente da escola - encaram a prática muitas vezes como um "modismo", uma simples "reunião social" ou algo para motivo de status? Ocorre o mesmo no Oriente? Isso contribui de alguma forma para a divulgação do Budismo?

Monja Coen: Há muitas pessoas à procura de alguma coisa que não sabem exatamente o que é. Quem se aproxima é porque tem algum relacionamento. O Zen Budismo, o Budismo em geral, é muito pequeno no Brasil. Já no Oriente é a religião tradicional. O que convida brasileiros a se interessarem? A procura de si mesmos, a procura de um significado para vida-morte, a procura da verdade e do caminho.  Nem sempre as pessoas têm clareza sobre isso.

Horizonte: Atualmente o Budismo tem se aproxi-mado do Cristianismo através do diálogo inter-religioso. Que ações a comunidade budista brasileira tem realizado socialmente em prol dos menos afor-tunados? Perguntamos isso porque muitas pessoas nos relatam a impressão de que, pelo menos no Brasil, o Budismo tem sido uma "prática de elite". Isso reflete a realidade ou é uma falsa impressão?

Monja Coen: O Budismo é muito pequenino no Brasil. As tradições japonesas aqui no Brasil mantêm creches, escolas, centros assistenciais, hospitais, asilos para idosos - alguns em parceria com grupos cristãos, outros indepen-dentes. Nossa comunidade faz trabalho voluntário no Hospital Emílio Ribas, atendendo pacientes e cuidadores e também na Casa de Acolhida de Pinheiros, com crianças e adolescentes de rua. Definitivamente muito pouco, mas é o que podemos fazer agora.  Há muitas formas de trabalho social e uma delas é a de transformar as mentes discriminadoras e preconceituosas de elites que mantêm as diferenças sociais. Mais do que assistencialismo temos de transformar culturas e sociedades. Se prestar atenção, note que o Cristianismo chegou ao Brasil através dos imigrantes portugueses - uma elite na época.

Horizonte: A sra. já foi casada no Japão. Como foi isso? Por que algumas escolas budistas japonesas permitem o casamento a monges? Isso foi produto do reconhecimento de uma questão natural, como afirmam os monges da Terra Pura, já que, no passado, a maioria dos monges tinham relacionamentos às escondidas?

Monja Coen: A grande maioria dos monges são casados no Japão. Desde cerca de uns duzentos anos, quando em comum acordo com as lideranças políticas, as lideranças religiosas optaram por permitir o casamento dos monásticos. Foram várias as causas, uma delas a que você mencionou. Mas não foi a única.

Horizonte: Mesmo no Budismo há preconceito contra a mulher, especialmente quanto a esta ocupar os postos mais elevados na hierarquia? Essa postura não contradiz os ensinamentos do Buda?

Monja Coen: Sim. Qualquer discriminação ou precon-ceito é contrária aos ensinamentos de Buda. Entretanto, o próprio Senhor Buda discriminou contra as mulheres e fez oito regras especiais para que se tornassem monjas. Hoje, quando estudamos em profundidade o assunto, temos de verificar como era a sociedade local na época e percebemos o avanço de Xaquiamuni Buda ao permitir, mesmo que com regras especiais, que as mulheres se tornassem monásticas. Assim, podemos perceber que mesmo os seres mais elevados estão sujeitos à Lei da Causalidade e envolvidos pelos valores locais, regionais e culturais. A sabedoria con-siste em percebê-los e transformá-los. Para isso vivemos.

Horizonte: Seu trabalho atualmente é praticamente independente, correto? O lado bom disso não seria incentivar trabalhos mais independentes, uma forma de adaptação ao conflito e de assegurar que os ensinamentos sejam transmitidos sem prejuízo?

Monja Coen: Sem dúvida aprendemos com as várias experiências da vida. Devo admitir que tem sido muito estimulante trabalhar de maneira mais livre e independente.

Horizonte: O Budismo no Ocidente tem cerca de um século. Algumas adaptações já são sentidas e se fala num "budismo ocidental". Isso ocorreu no Tibete, que se adaptou à forma indiana de prática e a mesclou com sua religião xamânica original (o Bön). O "Budismo Ocidental" será uma mescla com o Cristianismo?

Monja Coen: Não sei. Espero que não. Espero que possamos manter as tradições separadas e nos respeitar mutuamente. O Budismo Brasileiro será mais arroz com feijão do que sopa de misô. Mas ainda faltam muitos e muitos anos para falarmos em Budismo brasileiro. Nos Estados Unidos já se fala em Budismo Americano, com características definitivamente diferentes das orientais. Mas aqui no Brasil ainda engatinhamos. O que acontecerá?

Horizonte: A sra. vê a Internet como um dos meios adequados para divulgação do Budismo neste mundo globalizado? Isso pode contribuir para uma união maior entre as diversas escolas budistas?

Monja Coen: Sim.

Horizonte: A sra. pertence a alguns movimentos que buscam a união entre as religiões. Claro que uma "união doutrinária" é difícil, já que cada uma tem uma estrutura própria. Mas a união de propósitos - o bem-estar da humanidade e do planeta como um todo - parece viável. Como a sra. vê essa tendência?

Monja Coen: A Iniciativa das Religiões Unidas tem o propósito de criar culturas de paz, justiça e cura da Terra. Não é uma proposta fácil de se realizar. Mas acredito que a transformação de uma sociedade violenta e corrupta em uma sociedade mais justa e não violenta depende também do respeito e compreensão entre as religiões do mundo.

Horizonte: Agradecemos muito sua gentileza em conceder esta entrevista a "Horizonte -Leitura Holística". Gostaríamos que deixasse uma mensagem para nossos leitores, se possível sobre o que cada um, independente da prática religiosa, pode fazer para melhorar o planeta, as condições ambientais, e diminuir a violência, o materialismo e o sofrimento geral.

Monja Coen: Perceber que somos a vida da Terra. Não viemos nem iremos a nenhum outro lugar. Deixamos marcas com nossa existência. Visíveis e invisíveis. Que possamos deixar marcas de amor e ternura, compaixão e sabedoria para que todos os seres se beneficiem e todos possam viver em harmonia e fartura. É cuidando que somos cuidadas. É servindo que somos servidas. É fazendo o bem que nos beneficiamos. Interligados, interconectados com toda a vida do universo. Tudo sempre retorna a nós mesmos. Somos a vida. Mãos em prece. Monja Coen.

Comments:
Eu assisti a entrevista dela no JÔ SOares e achei-a serena. Só discordei dela no tocante às observações feitas pelo apresentador com relação ao tempo e que ela viveu na Suécia e este disse que a língua sueca não era entendida nem pelos nativos. Ela não desmentiu. Sorriu. Sei que a língua sueca é difícil aprender mas daí dizer que os próprios suecos não entendem a língua foi demais e uma pessoa que viveu no país deveria ao menos ter dito que a história não é bem assim.
Abraços
Grace Olsson
www.eueorenascerdascinzas.blogspot.com
 
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