quinta-feira, 8 de novembro de 2007

 

A Ciência se aproxima da Espiritualidade ?

uma análise crítica do I Congresso Brasileiro de Espiritualidade e Religiosidade na Saúde Mental – Parte 2

Paulo Stekel




Na edição anterior apresentamos a primeira parte da análise do I Congresso Brasileiro de Espiritualidade e Religiosidade na Saúde Mental, promovido pelo CISAME (Centro Interdisciplicinar de Saúde Mental) e pelo ProntoPsiquiatria (Centro Psiquiátrico de Pronto Atendimento), que atuam junto à Clínica São José, em Porto Alegre (RS). Realizado entre 20 e 22 de setembro último, representou um marco no debate sobre ciência e espiritualidade no Brasil.

Durante a Mesa 06, intitulada Cérebro, Mente e Alma, Benilton Bezerra Junior (UERJ) criticou os antidepressivos das indústrias farmacêuticas, os quais, em sua opinião, são ministrados em larga escala, quando se poderia utilizar métodos de aconselhamento. “Assim, estudantes usam Ritalina para melhorar a atenção, usam Prozac sem necessidade para continuarem 'bem'”, disse.

Para Antônio Veiga (IPPDH/RS), a cada dois mil anos, tudo se contrai e se dilata. Essa pulsação é uma transmutação, uma transformação da humanidade, um novo paradigma, que hoje, é o transpessoal. Não há como frear o surgimento do homem cósmico. As religiões estão em agonia porque falam pouco em amor. O homem é também um ser espiritual. Veiga lembrou que religiões antes menos expressivas começam a conquistar seu espaço, como é o caso da Umbanda. Ressaltou que já existe uma Faculdade Teológica de Umbanda (SP) reconhecida pelo MEC. Contou ainda sua experiência na UNESC, onde o curso de Psicologia organizado por ele tem estudado assuntos como Reiki, espiritualidade, psicologia transpessoal e todas as linhas da psicologia. É, com certeza, um trabalho pioneiro no Brasil.

Jeverson Reichow (UNESC) listou os principais temas de estudo da Psicologia Transpessoal: metanecessidades, consciência unitiva, êxtase, felicidade, milagres, espírito, consciência cósmica, transcendência do self, fenômenos transcendentais. Enfatizou o fato de que muitos destes assuntos são relacionados com a espiritualidade. Listou, em seguida, alguns dos fatores que impedem a inclusão da Psicologia Transpessoal nos currículos das universidades brasileiras: cartesianismo, mecanicismo, experiência espiritual vista como doença ou ilusão, barreiras impostas pelos conselhos profissionais, ceticismo nos meios acadêmicos, poder e medo, tendência a reduzir tudo a cérebro (cerebralização).

Durante a conferência “A espiritualidade e a relação mente-corpo”, Alexander Moreira-Almeida (UFJF/MG) informou que há mais de mil pesquisas na área de espiritualidade e saúde, com foco nos aspectos sociológicos ou de crenças. Contudo, há pouco interesse pelas experiências espirituais e sua investigação objetiva. As definições de “religião” são muito restritivas nestas pesquisas e as de “espiritualidade” são amplas e vagas demais. Moreira-Almeida argumentou que Descartes não nega a relação mente-corpo. Sua hipótese sobre a forma como a glândula pineal faz a mente interferir no corpo demonstra isso. A hipótese monista-materialista enfoca apenas um paralelismo psicofisiológico (alterações cerebrais modificando estados mentais).

Para Moreira-Almeida, estamos agora numa fase pré-paradigmática das experiências espirituais e da relação mente-corpo. Há necessidade de investigar seriamente e não de se excluir tópicos de estudo, incluindo o amplo leque de experiências humanas. Devemos sair das observações triviais e estudar os casos extremos ou mais significativos (não se restringir a amostras de estudantes); levar seriamente em consideração todos os dados relevantes, não excluir hipóteses explicativas a priori, procurar explicações para o conjunto de fenômenos. Ou seja, humildade e rigor científico.

Telmo Kiguel (SPRS), que percebemos ainda possuir resquícios da linha dura do “freudianismo” ultrapassado, com relação à psicoterapia prefere utilizar o termo “religiosidade” a “espiritualidade”, porque o primeiro estaria mais ligado a problemas e neuroses tratadas por Freud em “Totem e Tabu”. Para Freud, a religião totêmica se resume (e se reduz) em uma tentativa de reconciliação com o pai, sendo isso, para o mesmo, a origem de todas as religiões. Esta posição é ultrapassada quando vemos a questão sob o prisma transpessoal.

Já, para Tatiana Freitas Tourinho (AME/RS), espiritualidade ou religiosidade é um estado emocional inerente ao ser humano, independente de religião ou filosofia. A espiritualidade tem a propriedade de aumentar a sobrevida, melhorar a resposta imune, diminuir a ansiedade e a depressão e também a incidência de câncer.

Durante a Mesa 10 (Perspectivas de Pesquisas em Espiritualidade na Saúde Mental), Alexander Moreira-Almeida (UFJF/MG) revelou alguns dados importantes. Cerca de 90% das sociedades têm formas institucionalizadas de Estados Ampliados de Consciência (EAC). Isso causa uma certa confusão entre vivência espiritual e psicopatologia. A mediunidade está presente em 52% de 488 sociedades pelo mundo. Há mais mulheres médiuns do que homens e mais adultos de meia idade do que jovens. Há uma baixa freqüência de sintomas psiquiátricos nestas pessoas, bem como bons escores de adequação social. Portanto, não se associam a indicadores de patologia.

Para Moreira-Almeida, as teorias da Psicologia devem ser testadas. Não se deve tratar médiuns como psicóticos nem considerar psicóticos como se fossem médiuns. “A coisa é séria porque estamos lidando com a vida das pessoas”, finalizou.

A Mesa 14 (A visão das diferentes religiões na saúde mental), última do evento, contou com um frei jesuíta, um luterano, uma umbandista e um espírita.

O Frei Luiz Carlos Suzim (PUC/RS) opinou que não se pode dizer que uma determinada tradição religiosa é saudável e outra leva a patologias. Uma boa prática religiosa é a que dá mais dose de confiança e não enfoca a rejeição, a ameaça (que seria um critério de práticas religiosas negativas). Ao falar de “possessão”, Frei Suzim disse que ela é um “desvio de foco”. Jesus não era um exorcista porque não havia ritual; o ritual confirma a fantasia da possessão.

O luterano Sidnei Noé (UFJF/MG) disse que a medicina, a psicologia e a psiquiatria precisam de mais religião, assim como a religião precisa de mais medicina, psicologia e psiquiatria. Fé cristã e conhecimentos médicos, psicológicos e psiquiátricos podem e devem andar de mãos dadas em uma perspectiva cristã para ajudar o ser humano.

A umbandista Paula Maritan (IPA/RS) mostrou que a Umbanda, uma religião nascida no Brasil, é procurada por três motivos principais: desespero, grito de socorro e esperança. Enfatizou que as características da Umbanda são: simplicidade (vocabulário comum), caridade moral e espiritual, misticismo, ritual (pontos, firmamentos), visão diferente do Candomblé e do Batuque no sentido de não cobrar e não realizar sacrifícios de animais. Argumentou que, mesmo no caso de uma manifestação psiquiátrica durante uma sessão de umbanda, o acolhimento é afetuoso, havendo a aceitação da fala (ver e ouvir vozes), a crença nas palavras do indivíduo em desarmonia, o que causa uma baixa na reação de proteção e agressividade.

Encerrando o evento, o espírita Cícero Marcos Teixeira (UFRGS/RS) afirmou que “a mediunidade é um atributo inerente ao psiquismo do ser humano”.

Como dissemos na Parte 1, há um longo caminho a ser percorrido para que a ciência realmente se aproxime com interesse da espiritualidade. O que vemos até aqui são “pesquisas de curiosidade psicopatológica” e não um estudo profundo que vise colocar a espiritualidade no seu devido lugar, como uma característica inerente ao homem, capaz de lhe permitir o acesso a níveis de consciência e realidade não contemplados como “normais” por nossa sociedade moderna. Mas devemos elogiar os esforços dos pioneiros, como os congressistas do evento em Porto Alegre. Quiçá, nos próximos anos, o que agora foi apenas delineado se torne uma imagem real e venha a beneficiar todos aqueles que sofrem preconceito por causa de sua visão espiritual de mundo.

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